sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Noite morna

Por Mayanna Velame




Fim de domingo. Debruçada sobre a escrivaninha da sala, rascunho algumas palavras secas, com raízes retorcidas. Elas estão impregnadas de fungos. Lá fora, vozes exaltadas gritam. Fogos de artifício estalam no céu de uma noite morna. Aqui, meu coração inibe-se com o futuro (que os homens dizem agora escrever).


Neste momento de veemência partidária, seria interessante ler uma crônica machadiana  repleta de sarcasmos e ironias; a destilar cinismo nas entrelinhas. Melhor ainda seria ler Drummond, em letras gauche, exprimindo todo o sentimento do mundo. Ansiamos o amanhã, mas nossas dúvidas nos abraçam com força. Sim, esse mundo é um esboço constantemente reescrito pelos homens. E há aqueles que não se cansam (e muito menos se envergonham) de redigir sua história com tintas de hostilidade e discórdia. Há muitos Policarpos Quaresmas por aí. Entre o ideal e o real, eles vivem em bolhas de ingenuidade.


É preciso fechar os olhos e esquecer. Tudo se dissipa  e aquilo que acreditamos, há de ser. Lá fora, gritos e buzinas. Aqui dentro, apenas o silêncio. Meu coração bate ao apanhar teus poemas (aqueles que você não me entrega).


O sonho será sempre sonhado: nas esquinas, nas salas de aula, nas ruas, nos ginásios. Nos quartos com janelas trancadas. Em cada livro dessa estante empoeirada, ainda há de existir a formosura da esperança.


Nossa noite é morna. Estrelas se escondem entre farrapos de nuvens. Carros desfilam sobre o asfalto quente. Estendo minha mão e tu a seguras contra o peito. Não tenhas medo. Sabemos que o amor é onipotente. Ele supera a cólera exibida nas catedrais. Somos fortes. Entenda o seguinte: nada pode ser mais importante do que eu e você. Não podemos morrer hoje. Para sermos a resistência do amor, é preciso viver.

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