Por Mayanna Velame
Olhamos para o espelho e percebemos os arcos (do bigode chinês) no contorno da boca. A tristeza, disfarçada em sorriso, reluz nos semblantes. As rugas da feição franzina anunciam as pegadas do tempo; sobre a superfície árida da pele.
As pálpebras baixas, os olhos ofuscados, o delinear do rosto. A vida nos parece perecível. Lembramos da época de criança, em que tudo era permitido: sonhar, brincar, empinar pipa, voar com os aviões.
As nuvens do céu não eram gotículas de água, mas sim ovelhas – a pastorear no terreno divino. Os medos tornavam-se toleráveis: bicho-papão, cuca, fantasmas. A imaginação ajudava a vencê-los.
Para nós, ser criança significava abraçar a liberdade. Os joelhos ralados sangravam, doíam. No entanto, nenhuma dor nos intimidava a não continuar. E hoje, nossa maior angústia reside no coração. Não há pomada, spray, merthiolate ou band-aid para amenizar o que sentimos.
O tempo corre lá fora. Crescemos como árvores, florescemos, geramos frutos (bons e ruins). A criança, desprovida de preocupação, amadurece. Somos adultos. Os boletos bancários são visitantes mensais e pontuais. Aprendemos que o amor machuca; criando feridas rasas, agudas e profundas – nas quais nem o beijo da mãe é capaz de cicatrizá-las.
O fato é que, pouco a pouco, diluímos nossas perspectivas. Vamos apenas reproduzindo os sonhos já sonhados. Logo, o coração ardente adormece. Somos seres apáticos, à mercê do moralismo e das convenções. Priorizamos a presença. E a essência de viver?
Assim, esquecemos a funcionalidade e acolhemos o que desejam para nós. Como seria bom recuperarmos o olhar de criança. Ver o mundo sem medo, mágoas ou desilusões. Em algum lugar desse espaço, a nossa criança ainda existe. Pode ser nas páginas de um determinado livro, no vento que sopra, nesse balão no firmamento e até nas cantigas de ninar do tempo.
Nenhum comentário :
Postar um comentário