Por Mayanna Velame
Noite fria, muito fria. Acendo um cigarro para aquecer a
alma. Sinto-me consumido pela fumaça que sai da boca.
Confesso que não
tenho medo de morrer, e nem de encontrar no meu caminho Deus ou o diabo. Não
quero nenhum deles; embora o paraíso pareça bem mais interessante que o
inferno. Na verdade, sou apenas um personagem afastado de seu criador. Ele já
não sabe o que fazer comigo, em qual conto devo estar. Lembro-me que o autor
até tentou me transformar no protagonista de um romance chamado... Agora não lembro
o título da história.
Também já não me importo, pois tudo que sei é que realmente
estou caminhando pelas ruas escuras. Sem cachorros, sem polícia, sem putas, sem
pedras para chutar com a ponta do sapato.
Continuo a caminhada. Sinto os músculos fadigados. Tento
repousar meu corpo num banco de praça. Estou sozinho, literalmente sozinho.
O cigarro no canto da boca. Trago duas vezes, e náuseas
visitam meu organismo. Sou um personagem fracassado. Meu criador não me quer. Permanecerei
perdido por toda a eternidade – como um náufrago numa ilha deserta.
Tudo que enxergo é apenas escuridão. Lentamente, ela vai
sendo extinta por uma claridade amarela, que se aproxima com ímpeto de meu
corpo. Confuso, levanto-me, esfrego os olhos com os dedos. Não acredito naquilo
que vejo. Um gato de feição arrogante (envolvido numa luz agora esverdeada)
range os dentes e pula contra meu peito.
– Quem é você? – pergunto, estupefato.
– Sou Leôncio. O personagem mais querido deste autor.
Tenho um recado para você.
– Diga logo!
– Você não vai ser personagem algum. Ficarás vagando de
página em página, e não encontrarás qualquer história feita exclusivamente para
você.
– Não! – grito, atordoado, arremessando o gato no ar.
Em seguida, uma dor me faz desmaiar. Subitamente,
encontro-me em um túnel. Pareço viajar no tempo. Meu corpo sente um peso
estranho nos ossos. Não entendo o que está acontecendo. Será que morrerei? Não,
não me deixe perecer assim! Ainda quero tragar o último cigarro e preciso
participar de um derradeiro conto ou romance.
Então, vejo a turba. Meu traje é estranho: um terno e um
chapéu. Pretos. Não sei exatamente onde estou. Ando devagar, peço licença para
as pessoas que cruzo no caminho. Porém, elas parecem não me entender. Falam em outra
língua. Acho que é castelhano. Escuto o som de sirenes. Guardas de trânsito
afastam os curiosos, que rodeiam um corpo. Sim, parece que um homem foi
atropelado. Ele agoniza no chão. Seus olhos opacos tentam iluminar a minha
solitude. Sorrio para ele. É tarde demais, está morrendo. Choro, tentando não
acreditar na morte deste cidadão.
Mas sei que ele está bem melhor que eu. Porque vejo que
estou desamparado. E totalmente contrito nas ruas de Buenos Aires.
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