terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Crônica de Ano Novo

Por Denise Fernandes
 
 
 
         Mais enganoso que papai Noel, o ano novo nos ilude com a possibilidade de uma mudança que não vem. Não vindo, seu estrago é até maior do que a falta do presente. Não vindo estraga a vida dos adultos, papais noéis em potencial, das crianças que sofrem com a mesmice dos adultos. Não há nada de novo no suceder numérico de tudo, no talvez eterno rumo dos dias regulados pelo sol, pela lua. A regularidade não tem nada de novo, mas antes o traço anterior à própria vontade. E antes mesmo da superfície, lá no fundo do universo onde foi criado o profundo e a matéria de todos os planetas e estrelas. Não há nada de novo no brilho intenso das estrelas ou no brilho dos olhos das pessoas.
         Talvez a mesmice seja realmente tão importante que comemorá-la nos tiraria da mesmice de uma humanidade doente, sofrendo. Não há um ano novo, mas haveria um homem novo? Sim, é desse homem novo que precisamos, desse homem que possa se despir de tudo que é e que pensa que é, em busca de ser algo novo. É mais do que ser uma metamorfose ambulante, onde não há a direção definida em direção ao novo.
         Eu mesma, nova, o que seria? A brincadeira de ano novo nos mascara: somos os mesmos num ano novo. Mas sendo o ano sempre repetição, quando poderemos ser novos? O novo nos nega? O novo nos trará uma possível transcendência, como um fruto na árvore, o novo nos marcará mais que muitas tempestades, o novo nos revela para nós e para os outros. O novo é raro.
         No rádio, toca uma música que diz: “Meu coração é novo.” Um novo luto, um novo poema, um novo amor que guardo em segredo na Terra de sempre.
         Terra cheia de perguntas, carros e misérias num ano novo, número novo, onde plantarei minhas palavras e lágrimas. E aberta, espero me encontrar nova em qualquer mês desse ano, ainda que isso possa ser assustador. Posso realmente passar por um túnel bem escuro. E ter pesadelos estranhos animando as minhas noites, vultos novos nas sombras da minha casa. É provável que eu construa novas orações diante dos prováveis problemas, porque me ancoro nas palavras rezadas, e sinto um medo absurdo em alguns momentos. Só Deus mesmo para entender. E talvez Deus seja sempre novo, mesmo sendo tão antigo. E eu, quando me sinto nova, sinto também que ainda vive a mesma criança que fui, e as boas lembranças. Talvez o ano seja novo e feliz, mas mesmo que não seja, que seja cheio de amor e fé, de verdade e luz.
 

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