Por
Amilcar Neves*
Conversinha
típica à beira do mar no meio de um janeiro quente como um inferno com as
respectivas mulheres no mesmo círculo, os dois casais sob um guarda-sol comum
na areia. Falar do que com as madames ali, bebericando espumante de olhos e
ouvidos atilados?
O futebol
ainda não começou, o carnaval anda longe, a Copa mostra-se morna talvez porque
a Seleção não precisou fazer força para participar, o que deixa o torcedor meio
ressabiado, sem saber direito o que esperar do time, as eleições, mais
distantes ainda, estão fora de cogitação nas especulações desocupadas
especialmente porque as coligações não se definiram e tais definições
definitivas certamente causarão enormes surpresas, pelo que recomendam a
prudência e o bom senso que não se fale mal de ninguém, posto que o adversário
de ontem até a manhã de hoje poderá muito bem ser o grande aliado da semana que
vem, no próximo governo, já que a coerência foi banida da vida partidária, mas também
não se vai falar de trabalho, assunto para ser tratado durante o expediente,
jamais nos momentos de descanso e relaxamento que as férias sempre nos
proporcionam, além disso o Natal, cada vez mais minguado como fonte de
conversas e considerações de qualquer ordem, está esgotado desde o dia seguinte
e o Réveillon já rendeu todas as fofocas, intrigas, maledicências,
indiscrições e confissões, despido hoje da possibilidade de revelar novidades e
cogitações originais.
O assunto
calor estiolou-se em menos de dois minutos e meio ("Serão mais três dias
de calor e muita radiação ultravioleta, depois cairá um vento Sul que soprará
tempestades terríveis de raios, trovões e uma quantidade de granizo nunca antes
vista neste País", pontificou um, ao que o outro retrucou, discordando:
"Isso é o que o homem do tempo na TV garante, mas há séculos não existe
meteorologista cujas previsões sejam cem por cento confiáveis, o que leva à
conclusão de que, sendo assim, de pouco vale prever o tempo").
O
natural, em verdade, seria observar com demora e gozo, na praia toda, e
comentar sem rodeios ou travas, a abundância que lhes passa aos olhos ou que se
deixa estar pelas cercanias: abundância de pés, braços, mãos, pescoços,
cabeças, orelhas, cabelos, mas isso traria o risco considerável de deixar ao
menos despeitadas suas respectivas consortes, as quais, além disso, poderiam
muito bem retaliar pousando olhos e sorrisos sobre peitos cabeludos e pernas
musculosas, para dizer o mínimo.
Assim,
cidadãos conscientes e respeitáveis, só lhes resta discorrer reciprocamente
suas preocupações cidadãs com relação à escassa mobilidade da cidade, ao menos
da cidade que ambos conhecem muito bem, onde vivem, trabalham o ano inteiro e
criam suas famílias.
- A não
ser pra ganhar dinheiro, verdadeiras fortunas, não sei pra que tanto técnico
dando palpite, realizando estudos e fazendo relatórios. Qualquer prefeito
medianamente sagaz já teria percebido há muito o que todo mundo está vendo: as
escolas, desde os berçários até as universidades, é que atravancam a cidade. Dê
férias para essa gente toda e, mesmo com a invasão de turistas, encontra-se com
facilidade lugar para estacionar no Centro a qualquer horário.
- Claro!
Isso é transparente como água mineral! Se não consegue resolver o problema do
transporte escolar, basta o prefeito proibir o funcionamento de todo e qualquer
estabelecimento de ensino no município, incluindo os cursos de corte e costura.
Na hora a cidade vira um paraíso.
* Crônica publicada no jornal
"Diário Catarinense" de 22.01.14
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