Por Amilcar Neves*
A bem da
verdade, ninguém acredita muito nas histórias do Manoel Osório, tantas ele já
aprontou. Agora, por exemplo, ele retoma uma fase animal, que abandonara para
se dedicar à contemplação das admiráveis pernas da Mônica, vizinha de bairro
casada com o amigo Eduardo, casamento, aliás, que vem fazendo água faz tempo,
prenunciando uma separação de tetos não consumada de fato apenas pelos custos
abusivos envolvidos nos trâmites judiciais do divórcio e nas despesas com a
duplicação de residências. Como moram em uma casa grande e espaçosa de dois
pisos com entradas (e saídas) independentes, concluíram que ficava mais barato
darem um tempo lado a lado, sem necessidade de se esbarrarem pelos corredores,
compartilhando apenas a piscina e pouca coisa mais.
Nessa pouca
coisa mais inclui-se a amizade que Manoel Osório devota ao jovem casal, afeto
plenamente correspondido e retribuído por ambos, em conjunto ou isoladamente.
No
tocante a etapas da vida, há também, da parte de Manoel Osório, e meio como uma
imposição da tradição familiar, sua fase acadêmica. Como se sabe à exaustão,
todos os Osórios e todas as Osórias, sem exceção, formam-se em Direito, pouco
importando a faculdade de onde venham a extrair o diploma nem o que planejem e
venham a fazer ao longo da vida. Osórios presidentes de hospital em alguma
pequena cidade do Sul catarinense serão bacharéis em Direito, Osórias bispas
neoevangélicas pentecostais de alguma Igreja incipiente na Região haverão de
ter completado o seu curso de advocacia, sem que haja necessidade de levar o
processo a cabo, isto é, nenhum Osório estará jamais obrigado a prestar o exame
da Ordem e obter o registro profissional que habilite ao exercício legal da
atividade dos advogados: o importante, o essencial, é, de uma forma ou de outra,
cumprir o currículo formal.
Manoel
Osório, assim, passa por essa fase, necessária acima das demais, há muitos e
muitos anos, experimentando até o fim um sem-fim de cursos de Direito que
existem por toda parte. Pretende tornar-se um especialista neles.
Certa
ocasião, durante a primeira eclosão da sua fase animal, depois suspensa, ele
costumava contar que viu, "com estes olhos que a terra há de comer",
como dizia, um jovem e fogoso touro literalmente trepar na vasta dianteira de
um flamanteMaverick vermelho que um vizinho estacionara em frente à casa na
hora do almoço (naquele tempo, ele assegura, ao meio-dia as pessoas costumavam
almoçar em casa). O bezerrão atirou-se ao capô do motor do carro com tanto
ímpeto e entusiasmo que deu com as fuças no parabrisa dianteiro - e depois foi
deslizando lentamente, respirando felicidade e gozo, até pôr-se de patas no
chão, os cascos deixando sulcos foscos no brilho impecável da pintura
automotiva.
Verdade
que nunca ninguém acreditou a valer nessa história de boi libidinoso, apesar de
ele garantir que o bairro à época era novo e desocupado, um pasto para o gado
num loteamento implantado praticamente na zona ainda rural da Ilha.
Agora,
retorna ele com nova fase zoológica:
- Toda
noite, e jamais antes da meia-noite, ouço passos furtivos e um surdo bufar meio
raivoso. Depois, um barulhão enorme e o cesto de lixo vai ao chão,
espalhafatoso. Corro à rua precavido para ver, e vejo, olhando para mim,
fungando com desdém numa boca em bico plena de dentes ferozes e afiados, ele me
olhando e eu olhando-o com igual desprezo e temor, um furioso gambá em busca de
alimento. Perdoo-o por isto e ele então foge desabalado.
* Crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 04.12.13
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