Por
Amilcar Neves*
Há um livro sobre notória figura
pública brasileira, cujo nome batiza praças, ruas, rodovias, bibliotecas e
cidades, em que o coordenador da obra refere-se assim ao protagonista:
"Enfrentou duras situações na
controvérsia e confrontações que se estabeleceram por ocasião da montante de
subversão da esquerda que inundou o País nos anos de 1963 e começo de 1964,
cuja gravidade maior estava na conivência do Governo de então com este processo
que visava a conquista do poder através da estratégia da guerra revolucionária.
Procurava-se confundir legalidade e direito, na sua meta de implantar no Brasil
uma república socialista (pseudossindicalista)."
Tais palavras, que procuram acima de
tudo justificar o rompimento arbitrário da ordem legal e a violação da
Constituição Federal em nome de causa advogada por uma minoria, são de autoria
do General Carlos de Meira Mattos, então membro do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, no livro Castello Branco e a Revolução, de 1994,
publicação nº 610 da Biblioteca do Exército Editora, volume nº 300 da
"Coleção General Benício". A obra inscreve-se claramente na filiação
das biografias autorizadas.
O General avalia que Castello,
"nomeado Chefe do Estado-Maior do Exército, sentiu em cheio os perigos a
que a Nação estava exposta, ante a extensão da infiltração subversiva",
subversão essa que pretendia assegurar "a imobilidade conivente das Forças
Armadas, em nome de uma pretensa vontade popular", e decidiu trair seu
povo e seu chefe, o Presidente da República, apoiando o golpe.
Até aí, tudo bem. O que intriga é a
citação que o General faz de Luiz Vianna Filho, da Academia Brasileira de
Letras, governador biônico da Bahia durante a ditadura e biógrafo oficial do
primeiro ditador gerado por 1964:
"O próprio General Castello
Branco, até então cingido a um estado de contenção, não só visando preservar o
Exército, mas também conservar-se leal aos ideais democráticos da Constituição,
reconheceu que a observância da legalidade conduzia ao comunismo."
O estranhamento é tanto maior quando
se tem hoje a comprovação inequívoca, a partir de documentos oficiais dos EUA,
de que a derrubada do governo constitucional brasileiro foi uma obsessão
paranoica de Kennedy e Johnson, instigados por seu embaixador no Brasil, o
funesto Lincoln Gordon, e que Castello já estava escolhido por eles muito antes
do golpe. Como então um sujeito tido por inteligente, notório respeitador da
ordem e da hierarquia, e até democrata, deixa-se envolver assim por uma
maquinação que visa subverter o Brasil em benefício, não da União Soviética,
mas dos Estados Unidos? Ou para ele faria diferença submeter a população e as
riquezas nacionais aos interesses políticos e comerciais à direta ou à
esquerda, ao invés de assegurar a independência do País?
Uma biografia não autorizada - ou
várias delas - do ingênuo Castello (pois não terá ele morrido na pobreza
espartana, como seus sucessores da caserna?), esquadrinhando seus valores, sua
vida e seu pensamento, é o que de melhor se poderá fazer para elucidar esse
capítulo da vida nacional. Outras biografias do tipo nos revelarão, despidos da
farda, os homens Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo e as motivações das
atrocidades cometidas em seus períodos de comando ditatorial.
Em compensação, teremos também, para
leitura e instrução, as biografias não autorizadas de Sarney, Collor, Itamar,
FHC, Lula e Dilma. Assim é que se faz História - não com censuras.
* Crônica publicada no jornal
"Diário Catarinense" de 27.11.13
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