quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Biografia​s que estão faltando

Por Amilcar Neves*


Há um livro sobre notória figura pública brasileira, cujo nome batiza praças, ruas, rodovias, bibliotecas e cidades, em que o coordenador da obra refere-se assim ao protagonista:
 
"Enfrentou duras situações na controvérsia e confrontações que se estabeleceram por ocasião da montante de subversão da esquerda que inundou o País nos anos de 1963 e começo de 1964, cuja gravidade maior estava na conivência do Governo de então com este processo que visava a conquista do poder através da estratégia da guerra revolucionária. Procurava-se confundir legalidade e direito, na sua meta de implantar no Brasil uma república socialista (pseudossindicalista)." 
 
Tais palavras, que procuram acima de tudo justificar o rompimento arbitrário da ordem legal e a violação da Constituição Federal em nome de causa advogada por uma minoria, são de autoria do General Carlos de Meira Mattos, então membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, no livro Castello Branco e a Revolução, de 1994, publicação nº 610 da Biblioteca do Exército Editora, volume nº 300 da "Coleção General Benício". A obra inscreve-se claramente na filiação das biografias autorizadas.
 
O General avalia que Castello, "nomeado Chefe do Estado-Maior do Exército, sentiu em cheio os perigos a que a Nação estava exposta, ante a extensão da infiltração subversiva", subversão essa que pretendia assegurar "a imobilidade conivente das Forças Armadas, em nome de uma pretensa vontade popular", e decidiu trair seu povo e seu chefe, o Presidente da República, apoiando o golpe. 
 
Até aí, tudo bem. O que intriga é a citação que o General faz de Luiz Vianna Filho, da Academia Brasileira de Letras, governador biônico da Bahia durante a ditadura e biógrafo oficial do primeiro ditador gerado por 1964:
 
"O próprio General Castello Branco, até então cingido a um estado de contenção, não só visando preservar o Exército, mas também conservar-se leal aos ideais democráticos da Constituição, reconheceu que a observância da legalidade conduzia ao comunismo."
 
O estranhamento é tanto maior quando se tem hoje a comprovação inequívoca, a partir de documentos oficiais dos EUA, de que a derrubada do governo constitucional brasileiro foi uma obsessão paranoica de Kennedy e Johnson, instigados por seu embaixador no Brasil, o funesto Lincoln Gordon, e que Castello já estava escolhido por eles muito antes do golpe. Como então um sujeito tido por inteligente, notório respeitador da ordem e da hierarquia, e até democrata, deixa-se envolver assim por uma maquinação que visa subverter o Brasil em benefício, não da União Soviética, mas dos Estados Unidos? Ou para ele faria diferença submeter a população e as riquezas nacionais aos interesses políticos e comerciais à direta ou à esquerda, ao invés de assegurar a independência do País? 
 
Uma biografia não autorizada - ou várias delas - do ingênuo Castello (pois não terá ele morrido na pobreza espartana, como seus sucessores da caserna?), esquadrinhando seus valores, sua vida e seu pensamento, é o que de melhor se poderá fazer para elucidar esse capítulo da vida nacional. Outras biografias do tipo nos revelarão, despidos da farda, os homens Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo e as motivações das atrocidades cometidas em seus períodos de comando ditatorial.
 
Em compensação, teremos também, para leitura e instrução, as biografias não autorizadas de Sarney, Collor, Itamar, FHC, Lula e Dilma. Assim é que se faz História - não com censuras.
* Crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 27.11.13

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