terça-feira, 10 de janeiro de 2012

ARCO-ÍRIS

Por Denise Fernandes

       Neste Natal, estava conversando com meu neto sobre o Natal. Perguntei a ele se a mãe dele havia contado que o Papai Noel não existia. Ele disse que descobriu sozinho, mesmo porque não dava pra rena voar. Ele pensou e descobriu. Disse que comigo havia sido diferente. Minha mãe me contou e eu fiquei desesperada. Não parava de chorar. O que seriam dos pobres sem o papai Noel, o que seria do mundo? Fiquei muito triste e preocupada mesmo. Mais preocupada porque minha mãe havia me explicado o mundo assim: há os ricos e os pobres. A gente é pobre. Eu era pobre antes de nascer, já que minhas duas avós passaram fome. A fome deixa uma marca na existência, na continuidade dela.
       Sempre olhamos o mundo assim: há os ricos e os pobres. Minha mãe me deu uma boa explicação básica da vida. Sem o Papai Noel, mas ainda com uma imaginação fértil, fiquei imaginando uma saída para o problema de eu e minha família e tanta gente ser pobre. Quando me contaram, um dia, observando um lindo arco-íris num sítio em Atibaia, a história do duende e do tesouro inesgotável no fim dele.
       Durante um tempo, me perguntei porque não íamos até o fim do arco-íris buscar o pote de ouro, conversar com o duende guardador do tal potinho e resolver a História de outro jeito. Lembro de adultos rindo do meu desejo insistente. Uns diziam ser muito difícil. Um dia alguém me disse: “Um dia a gente vai”. Aí fiquei mais confiante, mas com aquela questão pendente.
       Não sei o porquê da minha infância e adolescência ter a presença constante de arco-íris, que foram rareando. Será que Alguém enterrou o arco-íris junto com o duende, o pote e mais alguma outra coisa em outro lugar? Porque tenho a sensação que algo mudou, foi alterado, no caminho do arco-íris. Lembro da voz dos meus pais me chamando para ver o arco-íris. Sua visão era algo especial, renovador. E foi embora de nossas vidas tão sorrateiramente que nem bem sei como ele sumiu. Escasseou junto com os vagalumes e com o barulho das cigarras que nunca mais ouvi.
        A riqueza dos ricos não veio do duende e seu tesouro. A riqueza deles veio da besteira e egoísmo deles. Todo rico é metido a besta e egoísta, pois a pessoa precisa se permitir enriquecer, ignorando muitos detalhes e sentimentos importantes nessa construção e permissão da desigualdade. Tampouco foi o “capitalismo” que criou os ricos. Os ricos se criam a si mesmos desde que surgiram e já existiam antes do papel moeda circular, dos juros serem possíveis. Muito antes de pensarmos em sistema capitalista.
        Os pobres acham que foram criados. Eles não se criaram pobres, apenas se descobriram assim. Os pobres criam a vida deles e de tudo a seu redor, que não está muito garantido. Por isso eles são pobres.
        A riqueza não traz felicidade, manda buscar. Mas a felicidade não vai, porque não obedece a ninguém. Ela é livre, independente, não obedece e sempre foi assim.
        Uma pessoa me escreveu dizendo uma frase de Luis Fernando Veríssimo: só as pessoas que não tem medo do ridículo são realmente livres. Discordo da frase porque medo e liberdade convivem e segundo o que me ensinaram (e que a realidade confirma): quem tem cu, tem medo. Mas acho os ricos ridículos, mesmo que sejam livres, belos. Há uma falta de equilíbrio, falta de beleza, perversidade, um vazio que ignora na riqueza.
        Ando pela rua e vejo os muros e portões que os ricos construíram para se protegerem de nós, os pobres.
        E estava lá. Entretida na minha cozinha, meu neto gritou: “Vó, um arco-íris!!!!” Corri em sua direção e lá estava: no jato do esguicho que ele projetava para o alto, um arco-íris. Não falei do tal pote, do duende. Apenas apreciei junto com as outras crianças. Porque é muito legal, só por isso. E porque enjoei de ser pobre, dos ricos, da fome que já sentiram e que ainda vamos sentir. Enjoei de tudo e fiquei lá com as cores.
        Um dia vai chegar a conta da água que usamos para produzir tanto arco-íris. Minha vizinha me perguntou, ao ver tantos gastos de água em minha casa, se eu estava preparada para a conta. Claro que não estou, porque sou pobre. Talvez um dia descubram uma maneira de me cobrar algum dinheiro, taxa ou imposto por ter visto essa luz de cores, talvez eu encontre o caminho do arco-íris. Enquanto isso, o sistema processa minha dívida de estar aqui. E o duende, na sua solidão encantada, nos espera.

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