domingo, 29 de janeiro de 2012

Adeus

Por Lígia Domene


                  A semana já vinha monótona e sem graça, com os dias cinzas, com um cheiro estranho que permanecia no ar, mas  ela não sabia identificar. Podia ouvir os mais velhos sussurrando, olhando-a com certo receio, como se um misto de pena e dor lhes cortasse o olhar, a comida era insossa, mesmo sua avó cozinhando tão bem, mas não naquele tempo, onde algo estava errado.
                  Seu coraçãozinho parecia pronto a saltar-lhe da boca a cada batida do carilhão, que ressoava sozinho na sala escura, a cada estalar da fechadura, um misto de esperança e tristeza percorriam seu corpo minguado como uma corrente elétrica, olhava por horas para a porta, sem saber se quando novamente se abrisse, ele traria aquela mulher de volta para a pequena menina, que ainda sentia a dor da despedida. Mas a cada adulto que entrava suas esperanças minguavam, e sua dor aumentava.
                  A noite seus joelhos tocavam o chão e a criança chamava pelo Papai do Céu, para que ele minguasse o sofrimento da mulher que tanto ela amava, para que elas voltassem a se encontrar e pudessem brincar, depois fazia o sinal da cruz, deitava-se, cobria o rosto com a coberta e adormecia, com o peito carregado de esperanças.
                  Aquela manhã despertou mais cinzenta do que as demais, e seu coração que fora feito apenas para as brincadeiras infantis, agora estava pesado, os olhares de todos estavam carregados de sofrimento, a comida já não tinha nenhum sabor, mas o telefone havia ficado mudo durante todo o dia e a porta, inerte. Nada estava fora do lugar, então porque ela se sentia tão apreensiva? tão deslocada e triste? Ela ainda não sabia.
                  Sua avó encheu o quadrado do box de água, e ela ficou ali submersa até que seus pequenos dedinhos se enrrugassem, até que fosse tirada dali e enrolada na toalha, seus olhos de jabuticaba vasculhando cada expressão da anciã que lhe secava, sem nada conseguir desvendar, era enfim a hora de dormir.
                  Após a oração noturna, se deitou e quando o sono já vilha beijar-lhe a tez, ouviu o telefone tocar, e pela primeira vez cometeu a travessura de ouvir a conversa dos adultos na linha. Seu corpo frágil, ficou rijo, ela desligou o aparelho, e cobriu o rosto sabendo que logo um adulto viria ver se ela dormia. Mas agora, ela entendia o aperto no peito que lhe acompanhara durante o dia, toda dor hava acabado enfim.
                  Na manhã seguinte fora levada para a casa da prima, onde passou parte da manhã brincando de colorir, até que ele, seu pai, adentrou a sala com o olhar cansado de quem não dormira, e a tristeza por traz dos olhos, a pegou no colo e falou alto a sentença que ela já sabia .
                  - A mamãe morreu!
                  Os olhinhos negros da menina o encaravam agora, cientes de que ela não mais voltaria para abraça-la, mas as lágrimas não rolaram, e a inércia permanecia, talvez por isso, no seu senso de proteção a criança, na busca de um entendimento simples, ele tentou uma abordagem diferente.
                  - Fiotinha, a mamãe era como o danone, venceu o prazo de validade dela.
                   E os dois se abraçaram, e choraram, a ausência daquela que amavam.

Nenhum comentário :

Postar um comentário