terça-feira, 15 de novembro de 2011

A Lua

Por Denise Fernandes 

             A lua democrática inaugura-se e assim me convida. Aqui e em qualquer lugar. Passear. Ou voar. Quando eu era menina sonhava em ser boêmia. “Boêmio é quem gosta da noite”, meu pai dizia cheio de conhecimento do Mundo.
            Minha vida na boêmia durou pouquíssimo, questão de fígado, mas a noite continuou a morar em mim de outras formas.
            Num dos meus relacionamentos afetivos, meu companheiro me proibiu seriamente de começar qualquer assunto depois das onze e meia da noite. Não respondia mesmo quando eu queria conversar depois dessa hora da noite. E assim decretou o começo do fim do nosso relacionamento. Muralhas invisíveis onde a lua alcança a plenitude da minha angústia. Antes só do que mal acompanhada, porque na solidão tem sempre a Lua.
            A lua cavando, olhando o Mundo como se o convocasse para um apocalipse na madrugada. A lua insistindo na sua existência tênue e significante, como uma pergunta.
            A lua, tão prenhe do sol, que nua flutua. E eu aqui, esperando a mesma lua todos os dias e ela me escapa: nova, autêntica, a lua me salva. A lua me ensina, me surpreende, me faz olhar com mais sabedoria a noite.
            Há poesia ainda, mas é um restinho. A poesia é fruto da verdadeira Vida e ela escoa: ando pelas ruas e só os bêbados, os apaixonados e algumas pessoas loucas estão felizes. É claro que alguns bêbados dormem na rua, inertes, cobertos de poeira. A lua abençoa a tudo com sua existência divina, intensa e mansa.
            Na noite dos gatos e dos ratos, tanto a insônia como meus sonhos dormindo me revelaram desejos, e a ponta de vários icebergs nesse mar gelado onde o meu eu é obrigado a flutuar. Ninguém me entende, se entende ou entende a qualquer um. No mar onde todos flutuam, a lua prende a nossa história, alinhava, testemunha, com sua natureza de tudo espelhar, permanecer e sumir. Fomos de fato em fato em busca de um ponto final, mas pra quê? Há alguém que chora agora apesar de todo o anti-depressivo no sangue da humanidade, de todo o ruído que é feito para esconder esse choro. Vi na cara de todos os infelizes a falta de lágrima. Resolvi continuar louca: rompida, exoticamente jogada na água da corrente, suspirando.
            A lua teceu a humanidade e sua linhagem pois é ela a mãe constante, a presença estranha e necessária. A lua é quase uma alma para a minha alma. O que seria da minha alma sem a lua?
            E é um branco no céu, um pouco mais coerente que as nuvens. A lua derruba todas as prisões no momento mais surpreendente da noite. E destila em mim o sagrado desde que sou criança.
A lua me inquieta, me abriga quando todo o mal parece maior, bem maior que o bem.
A lua é uma mulher dentro de mim. Sou mulher e, se não me entendes, não te preocupes. Porque há dentro de ti outros olhares que são teus e que escondes mesmo que não queira esconder. Há um profundo, vertical, um pensamento oculto que na tua mão me decepciona ou me comove. Estou esperando de braços abertos porque a lua pediu.

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