terça-feira, 29 de novembro de 2011

HÁ TRÊS RUGAS ATRÁS

Por Denise Fernandes


        Há três rugas atrás, esse mesmo sorvete era tão bom quanto foi hoje. Nem tudo muda tanto assim, envelhecer é tão lento que a gente se acostuma. Porque envelhecemos bem antes na alma com as primeiras decepções, o corpo vem depois. Mas o envelhecimento do corpo traz consigo a força do real, uma dimensão de pedra para a gente mesmo, uma solidez de ângulos.
        Há três rugas atrás, eu já achava o amor diferente de tudo que haviam me dito que seria. Já achava minhas histórias de amor muito aquém do que eu gostaria que tivessem sido. Já havia a mesma falta que ainda há e que talvez sempre haverá, e um romantismo que me faz amar e admirar o amor. O amor era o mesmo há três rugas atrás, só que com menos três rugas. O amor nasceu comigo.
        Há três rugas atrás, eu já tinha dó de todos como ainda tenho. E espero que tenham de mim também bastante compaixão, perdoando muito, mais do que eu mereça para que eu tenha novas chances e esperanças nos terrenos mais agrestes do meu ser.
        Há três rugas atrás, era como hoje uma grande miséria. Os apresentadores da televisão eram os mesmos. Nem os carros de polícia mudaram. Tudo anda de um certo ponto de vista tão lentamente que é como se fosse proibida a mudança, a inovação, a criatividade. Só as rugas criam em cada um, um sentido desenhado pela existência. A ruga é como uma cicatriz criativa, que o vento vai marcando. O vento assiste a todas as existências. É como a presença da própria presença. Meu deus: é o vento onde te escondes de nós?
        Há três rugas atrás, já havia um medo estranho, alguns lutos, um desejo de melhorar.
Há três rugas atrás, havia mais ódio em mim. Não foram propriamente as rugas que levaram o ódio, mas o tempo se renovando em amor que gerou vida e ruga, risco e sulco. Há três rugas atrás, eu tinha menos amigos.
        Há três rugas atrás, tudo era o mesmo e não era, eu era a mesma e hoje já não sou a mesma. As mudanças acontecem no coração e eu até espero que haja coerência entre a pele e o coração. Há?
Há três rugas atrás, já imaginava: mais três rugas, já as desejava, as alimentava com a insistente pergunta sobre o futuro, que continua em mim escrevendo, escrevendo.

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