terça-feira, 20 de outubro de 2020

Pandemia da primavera

Por Denise Fernandes




A morte de todas as expectativas; construindo um muro onde havia o que eu chamava de solidão. Um bálsamo novo surge, espaço de voo. O sabiá vem tomar banho na água da cachorra. A cachorra velha, cheia de catarata, olha tudo com os ouvidos. De repente, me lembro: um dia de cada vez. Estou tentando ficar bem, equilibrada. O sol que havia ainda há.

Um fantasma invade a tarde e me diz: "Só há paz depois da morte". Penso que o fantasma deve ter razão. Fico atônita. O que buscar, então?

Sim, buscar a primavera. Sêneca recém-lido. O tempo é a matéria mais preciosa da vida. Outro dia, surgiu um sagui aqui em casa. Mutilado, heróico. Com três patas apenas, ele vive loucamente na cidade. Sinto uma admiração profunda pelo animal.

A primavera também é essa luta que explode em pequenas flores, formando cachos. E o vento frio, da noite em São Paulo, me dá um prazer enorme de estar em casa; me protegendo de vírus, perdas, tentativas. Até o pôr-do-sol, me entenderei mais. E mesmo que seja pouco o amor dividido, elaborado, tecido com a seiva de tantas lágrimas, ainda será importante. O tempo que passei esperando ônibus me ajudou a entender que, inclusive, eu nunca chegaria a lugar nenhum.

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