sexta-feira, 7 de setembro de 2018

Era uma vez

Por Mayanna Velame




Assim começa essa crônica, talvez perdida no tempo ou espaço de uma nação deveras desnorteada: era uma vez um país tropical, de um povo heroico. O brado retumbante. Era uma vez uma nação dita gigante pela própria natureza que, aos poucos, tornou-se minúscula diante das cifras da corrupção.


Era uma vez um lugar de índios e negros. Todos escravizados pela ambição e presunção dos homens. Era uma vez uma república polarizada, repleta de endeusamentos; daqueles que desdenham da força de um povo (amiúde vítima de escárnio).


Era uma vez a pátria amada, que prefere celebrar o estalo de um gatilho à mansidão das páginas de um livro. Era uma vez um conto de fadas com bruxas soltas e aterrorizantes  destruidoras de sonhos infantis.


Era uma vez, a nitidez do cinismo. A bala perdida que encontra um estudante a caminho da escola. Era uma vez, a comitiva de ratos; roendo os sabores e a utopia dos jovens. Era uma vez a decadência da população que rasteja. Que busca o abrigo de quem só pode oferecer frio e egoísmo.


Caminhamos como retirantes, famintos e sedentos. Falta-nos tudo: amor, gentileza, compreensão, verdade, alegria. Esmorecemos na ausência de leitura, na ausência da cura, na ausência da própria história.


Essa crônica exalta nossa ignorância e hostilidade. Aplaudimos a estupidez e prepotência dos homens de toga. Teu Brasil desce a rampa do Planalto, pronto a colidir com sua omissão.


Não temos mais o cântico. Nosso sabiá perdeu seu gorjeio, nossos bosques estão sendo desmatados e nossos amores já não possuem mais vida.


Não temos rostos. Somos apenas sombras e resquícios. Um vento soturno nos sopra para longe. Nosso presente é rascunho imperfeito, escrito em canetas de sangue. O futuro segue nebuloso, inapto, enquanto o passado imerge das cinzas, em cada assoalho do museu em chamas.

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