sexta-feira, 13 de abril de 2018

Fingimento crônico

Por Mayanna Velame




Agora é noite. Ruídos distantes me lembram as agruras da cidade. Um vento manso chama a cortina da janela para dançar. Lá fora, o mundo com seus personagens e enredos. Sobre a linha do horizonte, ladeada de nuvens, poderíamos ensaiar alguns passos. Minha melodia é o teu silêncio. Quanto ao resto, temos o sonho. Temos apenas um ao outro, nessa ciranda da vida.


Finjo que o mundo é bom. Só para você não ter medo de distribuir seu lindo sorriso com qualquer estranho que cruzar pelo caminho. Digo e direi sempre: o mundo é bom. Assim entenderás a importância de deixar a porta da tua casa aberta, nos dias ensolarados de domingo.


Eu finjo e não me arrependo. Meu fingimento é para que não tenhas medo de viver. Por isso te peço: não tenhas receio de acariciar os gatos de rua, nem de correr atrás dos pombos que habitam as praças. No entanto, saibas, meu fingimento não te protege. Ele te encoraja a espiar os aviões e a caçar vaga-lumes no espaço da noite.


O mundo é esse. Eu finjo que ele não te fará mal. Saia do quarto, caminhe pelas alamedas e devolva a bola de futebol aos garotos. O planeta gira e sentimo-nos apenas zonzos e embriagados pela rigidez de viver.


Agora é madrugada. Os grilos cricrilam, felizes. Você já prestou atenção como a natureza conversa com você? Finjo que tudo vale a pena, justamente para que compreendas. O amor será sempre um sentimento forte e ninguém pode, em hipótese alguma, desistir de sonhar.


Confesso a você: vou fingir até cerrar meus olhos, mas quero que acredites. O mundo ainda é bom. Ouça as buzinas dos homens, o tilintar dos talheres anunciando o jantar.


O mundo circula entre nossos dedos. Finjo, com você, sorrisos e choros. Escrevemos frases de amor e fé nos muros da tua rua. Admiramos as estrelas e os outros astros, escalamos esperança, dormimos entre promessas. Somente para esquecermos dos pesadelos que nos assombram, durante as noites de inquieta tristeza.

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