terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Crédito

Por Denise Fernandes




Desde a morte do meu irmão, me senti sem crédito no céu. Como se Deus estivesse muito desgostoso comigo. Muda, oração recolhida, repleta de silêncio. O luto se transforma em medo. Medo de Deus, do destino, do imponderável, da morte, da perda, da dor, das células. E também o medo do Medo, o medo maior que corrói diante do abismo. Luto sem fim.

Primavera que alegra o coração esmigalhado. Digo pra mim mesma que não adianta chorar. É quase um sentimento de dever, que não entendo: segurar o choro assim, com tanto motivo pra chorar. Mas o sentimento é de reter o choro, como uma cozinheira regulando os temperos na panela. Preciso obedecer meus próprios comandos. Mesmo sem entender.

O barco virou faz tempo, e agora é esse mar. Fiquei fora de moda. O fracasso me ama.

Medo de nunca mais reencarnar, de sumir para sempre na escada infinita da evolução. Medo de ser meu buraco negro, minha sombra. Medo de ser tudo o que eu não queria ser.

Então fico muda e curvada perante Deus. Medo de rezar, medo de irritar a Deus. Medo que Deus seja evangélico ou católico, medo que Deus seja esse louvor exagerado da Bíblia, medo que Deus seja alguma seita islâmica, medo que Deus seja Jerusalém.

Ando descalça, em busca de espinhos para meus pés. Sou o pecado em todas as religiões. Vontade de me perder de Deus, de acordar ateu.

E, então, vem o Papai Noel e eu sinto uma esperança besta, ridícula mesmo, com aquele cheiro de fim de feira. O Papai Noel me traz um cartão de crédito para eu começar a sonhar tudo de novo, me lembra que vem ano novo. Pego a caneta e começo a lista: sonho um, sonho dois e, rápido, já tenho dez sonhos novos, num carro cheio de desejos me carregando para um novo ano, onde sou eu que me renovo, sou eu que viro número, antítese, solução. Sou eu que tento me iludir, como um bêbado que abraça sua garrafa ainda não totalmente vazia, fico colada no Papai Noel, sentindo seu cheiro vermelho e de farsa, farsa boa, sim, me engana que eu gosto. Minha árvore está pronta. Por favor, Papai Noel, fique comigo. Neste mundo confuso, de pouco Deus e tantas religiões, sua generosidade obesa me conforta. Quero seu abraço macio, enquanto aproveito esse crédito que me resta.

Feliz Natal e Feliz Ano Novo a todos!

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