sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

Itinerante

Por Mayanna Velame




As roupas já estão sobre a cama, ao lado da mala. Inicio o ritual: logo irei prepará-las para mais uma viagem. O voo se aproxima, na cadência do tempo que devora nossos instantes. Dividimos a vida entre o antes e o depois. E o agora é uma suposição que não deveríamos subestimar.


Da iminência de partir, ainda vejo-me rodeada pelas paredes do quarto. Viajo em meus devaneios e receios. No entanto, a mala está aqui, aberta, para receber meus sapatos batidos. Dependendo para onde vou, deixarei alguns rastros no caminho, enquanto colho lembranças (boas ou não) na bagagem da memória.


Algumas vezes, o coração da gente precisa ser itinerante. Dormir em outras camas nos torna mais vivos  e também mais altruístas. Ao pisar em terras desconhecidas e remotas, viramos um gigante na nossa própria aldeia. E isso nos faz supremos.


Blusas, calças e certas esperanças. Socorremos as angústias para darmos continuidade à existência. Perseguimos o tempo, contudo, ele escorre (na medida do nosso desprezo).


Abro uma gaveta e encontro alguns postais. Em cada letra exposta, uma revelação de espírito. Em cada destino escolhido, um abrigo. Abraço os cartões para eternizá-los em mim. Podemos resumir o para sempre como o fim de tudo.


Lutamos contra quem? Contra os sonhos que idealizamos ou contra a debilidade que contemplamos? Estamos apenas perdidos, entre tudo e todos. Inteligência só é válida se for artificial. Humanismo é para a insensatez. Exaltamos os punhos cerrados e não o coração desarmado. Proferimos pensamentos soltos, que vivem perdidos na imensidão do nosso eu.


O telefone toca, o táxi me espera junto ao canteiro. De malas prontas, sigo. No carro, o motorista me cumprimenta com um boa tarde. Sorrio e tento ser agradável. Desço o vidro da janela. Nuvens carregadas anunciam a tempestade. Respiro fundo e, antes do automóvel dobrar a esquina, vejo uma pombinha se refugiar sob as telhas da casa onde moras.

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